quarta-feira, 28 de julho de 2010

O Tesouro.

Por Meu mano Vinicius Godoy

Muito falavam, os mais antigos, da alegria eufórica deste bardo. Este que antes contagiava os velhos, incentivava os mancebos, emocionava as donzelas e divertia as crianças. Hoje com sua musica triste e sua poesia ácida, contenta-se em chocar, abalar, frustrar e assustar os que ainda teimam em dar-lhe ouvidos.
Todos perguntavam-se para onde fora toda a vida que tão nitidamente emanava de seus poros? Quem lhe roubara o desejo? Por que insiste em exalar tanto pesar em existir? O que aconteceu ao amado poeta da cidade para que de tal forma se inclinasse à morte sem oferecer resistência?
Rumores contam de um evento crucial, um encontro definitivo com a vida (ou a morte), dizem que uma conversa o matou, uma história, uma simples história de um lugar, toda a trajetória da humanidade refletida na vida de uma cidadezinha contada por um velho ermitão, que em sua juventude abdicou do convívio, das viagens, dos prazeres, da vida, ao deparar-se com essa misteriosa cidade da qual o pobre bardo passa seus dias a cantar.
Convido-lhe agora a cantar sua música e a ouvir a história que mudou sua vida

“Um dia um velho eremita
Destes que pouco se vê
Focado em meus olhos que brilham, dizia
De um belo lugar pra viver

A esperança em vê-la aviltou toda dor
O desejo contido então aflorou
E pensar minha vida a gozar desse lar
Auxilia o destino a minha’lma sanar

Mas não é mais assim diz o velho a chorar
A penúria e a miséria encontraram seu lar
Os que hoje se ofendem outrora eram irmãos
A ganância e o descaso enfim deram as mãos

Mas não quero te ver aliviado sorrir
Por que julgas estar muito longe daqui?
Só lhe peço que vejas com muita atenção
Que todo o mundo reflete o que meus filhos verão”

Há muito em minhas jornadas não via tamanha miséria como vi em Pandora. Mesmo antes de cruzar suas fronteiras, contemplando-a à distância, ainda não podia entender o que me fez ter Pandora por uma cidade, já que não se parecia com nenhuma que vi em vida, exceto em meus mais confusos pesadelos pueris. O que via, diga-se de passagem, com profundo dissabor, mais se assemelhavam a assentamentos, milhares de barracas debilmente montadas, que como escarlatina manchavam o centro do território da cidade. Tal visão me remetia aos povos nômades do oriente, porém, o cenário atual apresenta-se de maneira profundamente funesta, distinguindo-se dos errantes orientais pelo fato de povoarem aquelas terras por séculos, a geografia desgastada de Pandora denunciava com precisão a ação atroz do homem neste lugar. Cada tenda era acompanhada por uma pequena fogueira que em conjunto produziam uma nevoa densa, negra, que tornava não só a vista, bem como todo o viver em Pandora, mais deprimente ainda. Pude ver que a apatia nos semblantes era um reflexo direto dos céus da cidade, porém, ainda que não soubesse o porquê, podia ver um fio de esperança nos olhos dos pandorianos, sobretudo nos olhos das jovens que com esforço carregavam lenha para alimentar o fogo que ainda ardia simbolizando o por vir.
Ínfimas plantações doentes, mulheres maltratadas tirando água de um rio poluído, o cheiro intoxicante das cinzas e os ratos que povoavam a cidade na proporção de cinco deles para cada habitante, são cenas que me afligirão para o resto dos meus dias, onde nem meus mais atordoantes devaneios escatológicos poderão, em minha memória, tomar seu lugar.
A essa altura, quando não julgava haver coisa mais chocante do que já tinha visto, algo (de forma até irônica) me chama a atenção: em diversos pontos de Pandora, ajuntamentos de crianças sujas e amedrontadas ouviam os anciãos aos gritos, que impunham, ou ensinavam, ainda não sei ao certo, a respeito de um tesouro, tesouro esse que salvará Pandora para sempre, diziam os velhos.
Como não percebi isso antes? Estes eram os primeiros habitantes do sexo masculino que via! E ainda assim só vejo velhos e crianças. Não precisei de muita dedicação para conjecturar onde estariam os homens da cidade.
A julgar por sua sabedoria, caro poeta, creio que, como eu, entendeste que onde os velhos ensinam e as crianças aprendem, cabe aos mancebos e adultos agir!
Sim, todo homem de Pandora estava a procurar o tesouro, ao passo que quando deste eram tiradas as forças e a juventude, restava-lhe ensinar aos que futuramente o substituiriam.
Considero-me um varão trabalhado nas artes do intelecto, mas confesso não entender o porquê de toda uma cidade envolver-se na busca de um tesouro que nem todos têm a certeza de sua existência. Ao menos as mulheres, pensava eu, não se implicavam nessa causa, ledo engano, as pandorianas eram a base de toda busca, é sua assistência que viabiliza a jornada dos homens, logo as esposas, em tese, estão dentro das cavernas ao lado de seus maridos, suportando-os.
Assim, a cidade vive para o tesouro. Por quê?
– O tesouro nos salvará dessa miséria - vociferava o ancião em um sermão quase profético.
Por quanto tempo existirão? Até quando Pandora será lembrada? Quando finalmente perceberão a redundância desprovida de sentidos de todo seu árduo trabalho, de toda sua vida? Quando ser-lhe-ão tiradas as vendas de seus olhos, para que vejam que buscam o tesouro por conta da miséria e vivem na miséria por conta do tesouro. Quando entenderão que tudo que sabem, tudo o que ensinam, tudo que fazem presta-lhes, simplesmente, a mantê-los como prisioneiros em seus cotidianos, sustentando assim, o tipo de infelicidade em que vivem? Peço aos Deuses que, antes de seu iminente fim, dê-lhes tempo para que vejam a enorme pedra de mármore que rolam arduamente para o cume da mais alta montanha, a qual antes de sua subida já estava, pelas leis naturais, fadada à queda. Tornando inútil e infindável qualquer de seus esforços.
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Meu comentario:

A história dos pandorianos reflete à história de muitas povos, pessoas que passam suas vidas se dedicando a busca de algo que nao tem nem certeza se existe.
Vejo isso muito nas religiões pra ser sincero, as religiões são como uma enorme feira onde se vendem passaros engaiolados de todos os tipos.
existem dois tipos de prisão, as feites de grade de ferro e as feitas de palavras, e a prisão do povo de pandora era feita de palavras, sim dos velhos que quando crianças ouviram de outros sobre esse tesouro e que ao voltarem sem ele anunciavam as crianças sobre esse mesmo tesouro e viviam assim constantemente, pelo que entendi.
colocavam suas esperanças em algo que nem sabiam se de fato existia, dita por alguém lá atras na no passado dos pandorianos.
Esse é o karma das prisões feitas de palavras, elas nos prendem por dentro, e esse foi o erro dos homens de pandora, se talvez tivessem se organizado e contituidos léis e regras, talvez tivessem vivido mais dignamente ao invés da miseria que estavam.
Somos assim sonhamos o vôo, mas tememos as alturas diria Rubem Alves.
Pra voar é preciso amar o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência das certezas. por isso trocam o vôo pelas gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as "certezas moram". É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estrenho os engaiolou.
Essa é a analize que eu faço dos pandorianos.

Tom Rodrigues, 28 de julho de 2010.

Um comentário:

  1. Como o Tom bem comentou, pandora reflete a humanidade e sua facilidade em adotar sentidos ralos para a vida, em dedicar sua existência para a simples manutenção e reprodução de um sistema incoerente.
    o egoismo é nosso tesouro/ruina! assim como o amor represado, o cristianismo retido, a verdade contida.
    compomos ciclos infindáveis de comportamentos inúteis e os chamamos de vida! Lutamos com todas as forças para nos mantermos no interior dessa gaiola de palavras e gestos!
    mal sabem os pandorianos (e toda a humanidade), que existe um vocábulo de extremo poder, capaz de reduzir a pó qualquer gaiola, corrente, jugo ou algema.
    e assim, convido-vos a enunciar tal vocábulo para que todos ouçam: POR QUE?!

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